segunda-feira, 13 de abril de 2009

Esperando

Enquanto isso, vou vivendo.

Fernanda Yuri
Dia depois da Páscoa

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Longe e perto


Aqui parece que não é preciso pensamentos. Faz sol da tarde.

Fernanda Yuri
Maringa - PR

Mansidão de Clarice


Jamais poderia descrever Clarice. É assim que é. Particular, essencial. Não havia como não registrar aqui suas palavras em um tempo em que não me sinto chuva.

Tanta mansidão

Pois a hora escura, talvez mais escura, em pleno dia, precedeu essa coisa que não quero sequer tentar definir. Em pleno dia era noite, e essa coisa que não quero ainda definir é uma luz tranqüila dentro de mim, e a ela chamariam de alegria, alegria mansa. Estou um pouco desnorteada como se um coração me tivesse tirado, e em lugar dele estivesse agora a súbita ausência, uma ausência quase palpável do que era antes um órgão banhado de escuridão e dor. Não estou sentindo nada. Mas é o contrário de um torpor. É um modo mais leve e silencioso de existir.
Mas estou também inquieta. Eu estava organizada para me consolar da angústia e da dor. Mas como é que me arrumo com essa simples e tranqüila alegria. É que não estou habituada a não precisar de meu próprio consolo. A palavra consolo aconteceu sem eu sentir, e eu não notei, e quando fui procurá-la, ela já se havia transformado em carne e espírito, já não existia mais como pensamento.
Vou então à janela, está chovendo muito. Por hábito estou procurando na chuva o que em outro momento me serviria de consolo. Mas não tenho dor a consolar.
Ah, seu sei. Estou procurando na chuva uma alegria tão grande que se torne aguda, e que me ponha em contato com a agudez que se pareça agudez da dor. Mas é inútil a procura. Estou à janela e só acontece isso: vejo com olhos benéficos a chuva, e a chuva me vê de acordo comigo. Estamos ocupadas ambas em fluir. Quanto durará esse meu estado? Percebo que, com esta pergunta, estou apalpando meu pulso para sentir onde estará o latejar dolorido de antes. E vejo que não há o latejar da dor.
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei – e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo que chove. Nem sequer agradecendo ao Deus ou à natureza. A chuva também não agradece nada. Não sou uma coisa que agradece ter se transformado em outra. Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção, sou um corpo olhando pela janela. Assim como a chuva não é grata por não ser pedra. Ela é uma chuva. Talvez seja isso ao que se poderia chamar se estar vivo. Não mais que isto, mas isto: vivo. E apenas vivo de uma alegria mansa.

Clarice Lispector