sábado, 25 de outubro de 2008

Trechos de “Encontro Marcado” de Fernando Sabino

p. 86 - “Tiraram a sorte, coube a Mauro começar.
- Bem: primeiro, o que penso de mim. Antes de mais nada, sou um sujeito inteligente, bastante inteligente. Mas de uma inteligência intuitiva, nada lógica, feita de iluminações, de clarões... Não sei se vocês estão me entendendo.
- Estamos. Continue. Começou bem.
- Inteligência de poeta. Sou um poeta. Agora: sou um desajeitado para viver. Não sei comprar uma camisa. Sou grosseiro, vulgar, suado, me sinto proletário, emigrante, pesado, sujo. Amo as pessoas e as coisas.
- E as mulatas.
- Não avacalhem. Amo as pessoas e as coisas mais do que sou amado. Sou um pobre-diabo. Mas um pobre-diabo lírico, cheio de riqueza interior. Que não troco pela satisfação bem comportada dos ricos em espírito. (...)
- Você, Lord Byron, é inteligente também, mas uma inteligência fina, penetrante, como aço, como uma espada. Ao contrário de mim, você é mais capaz de se fazer amado do que amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. É desses remédios que matam a doença e o doente. Você tem sentimento poético, e muito - no entanto é incapaz de escrever um verso que preste. Por quê? Sei lá. Há qualquer coisa que te contém, que te segura, como uma mão. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas você é um homem refreado, bem comportado, bem educado, flor do asfalto, lírio de salão, um príncipe, nosso príncipe de Gales, como diz o Hugo. Tem uma aura de pureza não conspurgada, mas é ascético demais, aprimorado demais, debilitado por excessos de tratamento. Não se contamina nunca, e isso humilha a todo mundo. É esportivo, é atlético, é saudável e prevenido contra todas as doenças, mas, um dia, não vai resistir a um simples resfriado: há de cair de cama e afinal descobrir que para o vírus da gripe ainda não existe antibiótico.”

p. 145 - “De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”

p. 167 - “Não posso responsabilizar ninguém pelo destino que me dei.”

p. 180 “- Você nunca mais teve aquelas coisas não? - Perguntava Antonieta, preocupada.
- Não: às vezes sinto uma ameaça, mas já tenho minhas defesas. O segredo é ir para a frente e não para trás: é uma espécie de lodoçal, em que a gente mete o pé. Se parar para tentar arrancar o pé, acaba deixando o outro e se afundando a cada novo esforço, compreende? Atolando-se no lodo até a boca, sabe como é?”

Outras páginas
“Não analisa não.”
“Buscavam um sentido, além da espontaneidade de viver.”
“Temos é de escrever, denunciar através da arte, dar nosso testemunho. Somos escritores, intelectuais, nossa missão é outra.”

O livro veio e foi às pressas programado de acordo com a viagem de Yukari.

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